quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O filho de lavadeira e o neto indagador Milton Sapiranga Barbosa

Todas as manhãs, de  segunda  à  sexta, sempre que  estou  em  frente ao prédio  da Rádio Difusora de Macapá, aguardando a  hora de iniciar minha jornada de trabalho no  setor de mensagens para  o interior, fico observando  as meninas  e os meninos  que passam rumo  aos  diversos estabelecimentos de ensino  existentes  as proximidades (Barão do Rio Branco, Escola Integrada, Emílio Médice, Colégio Amapaense  e outros).
Na minha observação  constato que, de cada 10  alunos  que  passam,  9  estão  com fones  entupindo os  ouvidos, na certa, eu suponho, escutando  um  “batidão”, um Rap ou  um  meloso  técno bréga,  que  eles  adoram,  mas  que  eu, particularmente,  acho   horrível (mas não condeno  e nem discrimino quem gosta)  pois curto um boa  música  romântica, um  pagode legal  e  um samba de primeira, além de merengue  e tango.
Vendo a  garotada  passar, me  vem  no pensamento  que  as  crianças de hoje podem desfrutar  de uma  infinidade de brinquedos  eletrônicos, cada um mais  sofisticado que  o outro. Bem  diferente, e bota  diferença  nisso,  dos  brinquedos  do  meu  tempo  de criança.  E é daí que me  vem uma preocupação, de quando meus netos, que  estão em  fase  de  crescimento  e  já  envolvidos  nessa parafernália de  brinquedos  movidos à  distância por controle  remoto, começarem a perguntas  embaraçosas, principalmente  o  caçula  dos  netos,  o Pedro  Caíque, que se mostra  mais  sagaz e o mais  sapeca , entre  os  três  netinhos que minhas  filhas Ana Paula  e Elinne,  me  deram. Perguntas  do  tipo: Vô (mostrando sua  enorme caçamba  basculante), o senhor quando criança tinha  uma  caçamba  igual a  essa? Este  avô  babão vai  responder que  não e  dizer  que  minha  caçamba era  uma  lata  de óleo, que juntava  no quintal da vizinha  Marieta  Amorim (a mamãe  só mandava  comprar  óleo a  retalho na  casa  Duas Estrelas ).  Eu  abria um dos lado  da  lata  na parte  mais larga  e fazia  uma dobra  na  ponta da  folha  cortada, imitando uma  cabine  e  que presa  por um  fio era  arrastada por  ruas e avenidas  do  Favela.  E  o  moleque  com certeza vai  continuar  perguntando, mostrando o  seu    automóvel que acende  os  faróis  e  faz  manobras: “o senhor  tinha  um carrinho  assim?” Outra negativa,  será  minha resposta  e  com  a seguinte explicação:  Meu carrinho era uma  lata de  sardinha (que  não faltava no jiraus de casa), aberta  do  modo  tradicional e também  com a dobra  representando a cabine, com quatro   furos nos  lados, por onde  eram enfiados  dois talos  de vassoura de piaçava ou um  arame, com  4  tampinhas de borracha  de vidros de penicilina, colocados   em  suas  extremidades, que  serviam de pneus. Olhando seu  barquinho ancorado na piscina  inflável, lá  vem  o moleque indagando. E barco, vovô, o  senhor tinha? Lá  vem o  não  de  novo e a resposta: Igual  ao  teu  não  O meu  era  feito  de miriti, que  conseguia no vasto igapó da  Favela (ida da baixa do hospital  até próximo a Mendonça Júnior, no local  denominado de MALOCA, anexo  do bairro da Favela.) O  miriti era cortado em  sua parte mais  grossa, em  formas de  ripinhas e num total  de três, que colocadas  lado  a  lado eram traspassadas por  três  talas  e  a  vala  da Mendonça  Furtado, que começava  próximo a  casa  da professora Violeta, na Leopoldo Machado  e terminava  na  Jovino  Dinoá, servia  de  rio,  onde  eu apostava   corrida  com os  outros  moleques do bairro,  quando   estava  chovendo. Era  uma  festa.
Daí em diante, antes  que  ele  continue  com  suas  indagações,  vou  logo  dizendo direto: que  minha  Carreta era  formada  com 5  latas  de leite ninho, com furos  nos  lados,  cheias  de  pedras  e presas  uma na  outra  com  arames.  
E sem dar  tempo dele  retrucar,  falarei que meu telefone  era  composto por   duas latas de leite moça, com furos  nos  fundos e por  onde era  introduzido  um  barbante   prendendo  pregos em suas extremidades por  dentro das latas, para falar  com   outro moleque  à 10 metros   de distância. Se falava  tão alto que  era  impossível  quem estivesse  com uma das latas no  ouvido  não escutar. Direi  que  meu avião também era  feito de miriti, tinha hélice  e  três  talas espetadas em baixo  que  representavam trens  de pouso.  Mas   vou  dizer  também,  que no  meu  tempo de criança  eu  brinquei   de   racha  pião, de  caveira,  de  pira,  de camões, baladeira, bola no meio da  rua de piçarra, soldado  e ladrão, etc, etc.. Para  finalizar  e não  permitir  gozação  do  moleque indagador,  direi que  com meus  rústicos  brinquedos,  em podia  brincar  livremente  pelas ruas  e avenidas  do bairro, coisa que ele, com  seus   sofisticados  brinquedos não pode fazer. Tem que ficar  confinado  em casa, pois se  for  brincar na  rua  corre   o  risco  de  ser  agredido por  outros moleques, ter os  brinquedos roubados  e  dar  graças a Deus, se  não  for morto.  E  completarei: é moleque, teu avô   quando criança  não  sabia   o  que  era  controle remoto. Mas  com certeza tinha  mais  liberdade  e  era muito  mais feliz.
E  tem  mais, no  meu  tempo existia   carrinhos  movidos a  fricção  ou  corda. Mas  esse   luxo  da  época  não   era  para  um  FILHO DE  LAVADEIRA, que tinha ainda  que amassar   açaí   e  vender  mingau  para  sustentar seus  filhos.

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