Milton Sapiranga Barbosa
Numa certa manhã de domingo, lendo as noticias policiais de um jornal local, fiquei estarrecido com a seguinte manchete: “Briga entre adolescentes termina com um morto”. A continuação da reportagem informava que “ fulano de tal” brigara com “cicrano de tal” (ambos com 14 anos de idade), por ocasião de uma festa realizada na sexta-feira no bairro Brasil Novo. No embate o “cicrano de tal” levou a pior e, no sábado, em companhia de vários amigos, foi a forra de maneira covarde, matando seu desafeto, o “fulano de tal”, com várias pauladas e golpes de facas, desferidas por ele e seus parceiros. Fiquei pensando: “quanta maldade existe nos corações dos garotos de hoje”. Terminada a leitura da página policial, passei a ler as noticias de política, os artigos diversos e as noticias esportivas, principalmente, as referentes ao meu Fluzão.
Guardei o jornal e fiquei matutando, lembrando das brigas entre os garotos do meu tempo de infância e adolescência, quando brigávamos de mãos limpas, sem usar qualquer armamento para sobrepujar o adversário. As vezes a querela era por discussão boba no jogo de bola ou por ter a linha de papagaio (Espingarda número 30 ou 40) cortada quando ainda se estava encerando a linha e por outros motivos banais.
No calor da discussão, para que a briga começasse logo, um moleque maior e mais velho, colocava dois pedaços de paus, dois ossos ou duas latas no chão e dizia: “Essa aqui é a tua mãe e essa é a mãe dele”. Um dos moleques chutava um daqueles objetos e a porrada comia no centro. Tinha também aquele que colocava uma das mãos entre os dois litigantes e pronunciava a frase estopim: “Bate aqui e bate na cara do outro”. Era pá e pá, e a poeira subia. Só que naquela época, o moleque só se preocupava em bater e se defender, com a certeza que seu oponente, mesmo que tivesse irmãos e amigos presentes, eles não se meteriam na briga, pois os garotos maiores que organizavam a roda logo diziam: “Deixa só os dois”. E você tinha que se virar na porrada, bater mais do que ser batido, até porque os nossos pais (no meu caso, mãe/pai), sempre diziam: “ Se tu achar pai na rua, quando chegar aqui tu apanhas de novo”. Nos casos em que você achava que o resultado da briga não fora justo, o adversário era desafiado para novo embate, mas sempre com as mãos limpas, no braço.
Vi confrontos memoráveis entre dois moleques do mesmo bairro, em que um não podia ver o outro aparecer, que ia logo tirando a camisa e sem dizer nada um pro outro, transava na porrada. Desses confrontos, destaco três: Pilão x Pelado, Carlito x Hildebrando e Silas Salgado x Guisado, sendo este o mais famoso de todos. Mas nunca, em momento algum, um deles apelou pra covardia, se armando de pau, de faca ou convocando outros colegas para se vingar do adversário em caso de derrota. Era BRIGA BOA, limpa. Briga que dava gosto de assistir e fazer gozação com o perdedor, o que doía mais que a surra levada. Pelado e Carlito já nos deixaram, mas o Sandoval (Pilão),o Hildebrando e o Silas, pelo que sei, ainda estão por aí para comprovar. O Guisado, que foi embora de Macapá, não se teve mais noticias.
Tinha também aquelas brigas em que as animosidades começavam dentro da sala de aula. Como não se podia brigar na sala, se dizia para o moleque provocador: “Te pego lá fora” . A turma toda ficava ouriçada na expectativa de uma boa briga e logo se formavam as torcidas dos dois que se enfrentariam na saída. Era tocar a campainha, passar do portão que não tinha perdão, não tinha mais volta, era porrada na certa, até porque incentivo não faltava.
Fui parar muitas vezes na diretoria do Barão, do Anexo da Escola Normal e da Escola Veiga Cabral.
Briguei muito. Bati e apanhei nos confrontos com o Rocky Lane, Pedrinho Marques, Barbosinha, Monte, Pedroca, Dedé, Dicoçá, Jovico, Carrapeta, Paulão e outros moleques. Depois crescemos e até hoje , os que ainda estão vivos, são meus grandes amigos. Não restou nenhum ódio, mágoa ou desejo de vingança em nossos corações. Bem diferente dos tempos atuais, quando um amigo e até um irmão, mata o outro por qualquer besteira. Até por um cigarro negado, um real não emprestado pelo pedinte, tem levado muito jovem para baixo dos sete palmos.
É bom dizer que no meu tempo de infância e adolescência, não existiam essas malditas drogas (cocaína, heroína, maconha, crack e outros entorpecentes). Existia a cola, mas ninguém cheirava, só era usada pelos profissionais que consertavam sapatos e por fabricantes de móveis artesanais. Tinha também o Lança Perfume, mas só os adultos usavam, até ser proibido. Naquela época (anos 60) moleque não ficava na rua até de madrugada bebendo, serenando ou participando de festas . Até que serenávamos as festas no Rouxinol e no Salão do Pecó, mas era só a sirene da Usina de Força e Luz apitar, as 9 da noite, que cada um corria no rumo de sua casa, pois se chegasse 10 minutinhos depois que a sirene silenciava, era surra na certa.
Hoje os pais não impõem limites aos seus filhos, não sabem por onde ou com quem andam e o que é pior, nem procuram saber onde ele conseguiu dinheiro pra beber ou comprar aquela roupa de marca. O que é uma pena.
OBS – existiam outras brigas boas, famosas, entre dois moleques nos bairros doTtrem, Laguinho, Jacaré Acanga, Beirol, Igarapé das Mulheres, Morro do Sapo, Baixa da Maria Mucura, no Elesbão e Vacaria, mas essas são vocês que poderão dizer aí nos comentários.
Um abraço do Sapiranga
Ruy Maia disse:
Fala Milton, Esqueceste de mencionar uma boa pegada entre Ruy e Bilica na Favela.
Me lembro de algumas vêzes ter enfrentado este teu galo de briga,umas perdi outras com certeza ganhei. Quando passávamos em frente ao Rouxinol dizias que darias um picolé para quem vencesse e falavas:” Quem for homem bate aqui ( em tua mão esticada ) e na cara do outro”, um tomava iniciativa e a porrada comia. Terminada a briga alguém ganhava o picolé e repartia com o outro e íamos embora. Nunca houve rixa entre nós, somos grandes amigos até hoje. O fato marcante, é que quando o Bilica ( Quito Podre), veio estudar aqui em Belém ( grande eletrotécnico), morou conosco, na casa da Luiza, pela dificuldade financeira de todos nós na época êle ia do Guamá de pé até a escola técnica e vice-versa, contando carros ou postes para chegar mais rápido
Outra briga boa que tive foi com o Vitor Ibiapina, no campo de Coaraci Nunes, foi ganha no preparo físico pois jogavamos muita bola que nos dava esta condição.
Que tempo bom, não tínhamos violência e qualquer crime em Macapá tinha grande repercussão, um dos quais, o do Aracatí.
Milton, ainda não tomei conhecimento de que tenhas escrito uma crônica com relação às feras do papagaio no Território,se o fizeres, tenho certeza que citarás: Vevê, Pau Preto, Jupatí, Dudu (Deodato), Nego Jorge, Mindodô e alguns que só tu lembras. Mas, por favor, não se inclua, nisto não eras bom.
Um abraço e Flu Campeão, pro azar da galinhada.
Oi, Milton.
Uma briga da qual me lembro foi entre o Evaldo e o Antonio, ambos do CA e bons de porrada, como diz o Alcione. Não lembro do motivo, mas sei que deu empate. O local foi aquela esquina da Iracema Nunes com a Eliezer Levy (nesse tempo não havia ainda o prédio da Receita Federal). O Antonio (um colega nosso, o Artur, o chamava de Cavalo) estudou comigo, era meu vizinho na Favela, na Presidente Vargas. O Evaldo, irmão do Edmar, morava no Jesus de Nazaré.
Em outra briga, eu fui protagonista. Isso foi lá nos idos de 1967, turno da manhã, 2ª série ginasial, turma C, famosa pela indisciplina (turma masculina, parecia o GM). Eu e o Eduardo (Dudu) Cardoso. Começou numa aula do professor Lauro Chaves. Não lembro do motivo, mas da expressões “te pego lá fora” e “vem”. O local foi, claro, a esquina da Iracema com a Eliezer Levy. Como você diz, bati e apanhei, o sapato ficou tipo boca de jacaré (a meia-sola feita pelo Zé Maria ficou prejudicada).
A reconciliação demorou. Embora a gente se encontrasse de vez em quando em Macapá, não estudamos mais na mesma turma e o tempo passou. Anos depois nos encontramos em Belém (isso foi por volta de 1990) e conversamos como velhos amigos recordando dos tempos de colégio, inclusive lembrando de um amigo em comum: o Píndaro, meu cunhado, ex-bilheteiro do Cine João XXIII e ex-baterista de “Os Gaviões”, e funcionário da PMM, que morreu em conseqüência de uma malária na véspera do Natal de 1989.
Bom, desviei um pouco o assunto, mas os fatos são interligados (muitos links), e a memória de um puxa pela memória de outro, e assim vai.
Um abraço.
mara cristina disse:
Seu Sapiranga, ou seria Seu Sapiência? É incrível que hoje tenhamos esses problemas sociais. Em Cuba, se um menor é achado perambulando, as autoridades o levam e entregam aos pais. Na segunda vez, punem os pais. O que fazem aqui? Premiam com bolsa isto, bolsa aquilo?