sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

BRIGA BOA

Milton Sapiranga Barbosa
Numa certa  manhã  de  domingo, lendo as noticias policiais de um  jornal local, fiquei estarrecido com a seguinte manchete: “Briga entre adolescentes termina  com um morto”. A  continuação da  reportagem  informava  que “ fulano de tal”  brigara  com   “cicrano de tal” (ambos com  14 anos de idade), por ocasião  de uma  festa realizada na sexta-feira  no  bairro Brasil Novo. No embate o “cicrano de tal” levou  a pior   e, no sábado, em companhia de vários amigos, foi a forra de maneira covarde, matando seu  desafeto, o “fulano de  tal”, com várias pauladas  e  golpes  de facas, desferidas  por   ele  e  seus parceiros. Fiquei  pensando: “quanta maldade existe nos  corações  dos  garotos  de  hoje”.  Terminada  a leitura da  página   policial, passei a ler as  noticias de política, os  artigos  diversos e  as  noticias esportivas, principalmente, as  referentes ao meu  Fluzão.
Guardei   o jornal e  fiquei  matutando, lembrando  das  brigas  entre  os  garotos  do  meu  tempo de infância e  adolescência, quando  brigávamos de mãos limpas, sem usar  qualquer  armamento  para  sobrepujar o  adversário. As vezes a  querela era por  discussão boba  no  jogo  de bola ou por  ter  a linha  de  papagaio (Espingarda número 30 ou 40) cortada quando ainda  se  estava  encerando a linha  e por  outros motivos banais.
No  calor  da discussão, para que a briga  começasse logo, um moleque  maior  e mais velho,  colocava  dois  pedaços de paus,  dois  ossos  ou duas  latas  no chão  e dizia: “Essa  aqui  é a  tua mãe e essa  é a mãe  dele”. Um  dos moleques  chutava um daqueles objetos  e a porrada  comia no centro.  Tinha  também aquele  que  colocava  uma das mãos  entre  os  dois litigantes  e  pronunciava  a  frase   estopim: “Bate  aqui  e bate na  cara do  outro”. Era  pá  e pá,  e a  poeira  subia. Só que naquela  época, o moleque só  se  preocupava  em bater e  se  defender, com a  certeza  que  seu  oponente, mesmo  que tivesse  irmãos  e amigos presentes, eles não se  meteriam na briga, pois  os garotos  maiores  que organizavam a   roda  logo  diziam: “Deixa  só os  dois”. E  você  tinha  que  se  virar na porrada, bater  mais  do que  ser  batido, até  porque  os  nossos pais (no meu caso, mãe/pai), sempre  diziam: “ Se tu   achar  pai  na  rua,  quando chegar  aqui  tu  apanhas de novo”. Nos casos  em  que você  achava  que  o resultado da  briga não  fora justo, o  adversário  era  desafiado  para  novo embate,  mas  sempre   com as mãos limpas, no braço.
Vi  confrontos  memoráveis  entre  dois moleques  do mesmo bairro, em que  um não podia  ver  o  outro aparecer, que ia  logo   tirando a camisa  e sem dizer nada um  pro  outro, transava na porrada. Desses confrontos, destaco  três:  Pilão  x Pelado,  Carlito  x Hildebrando  e  Silas Salgado  x Guisado, sendo este  o  mais famoso  de  todos. Mas  nunca, em momento algum,  um deles  apelou pra  covardia, se  armando  de pau,  de faca ou convocando outros  colegas para  se vingar do  adversário em caso  de  derrota. Era  BRIGA BOA, limpa. Briga  que  dava  gosto de assistir  e fazer  gozação   com  o perdedor, o que  doía  mais  que  a  surra levada. Pelado  e Carlito  já nos  deixaram, mas o Sandoval (Pilão),o  Hildebrando e   o Silas, pelo  que  sei, ainda  estão por aí para  comprovar. O  Guisado, que  foi embora de Macapá, não  se  teve mais noticias.
Tinha  também aquelas  brigas  em que   as  animosidades começavam  dentro da  sala  de  aula.  Como não se  podia  brigar  na  sala,  se dizia   para  o moleque provocador: “Te pego  lá  fora” .   A  turma toda  ficava  ouriçada  na  expectativa  de uma boa  briga  e  logo se  formavam  as  torcidas dos  dois que se enfrentariam  na saída. Era  tocar  a campainha, passar  do  portão   que   não tinha perdão, não  tinha mais  volta, era  porrada  na certa, até  porque incentivo  não faltava.
Fui parar  muitas  vezes  na diretoria do Barão, do Anexo da Escola Normal  e da Escola Veiga Cabral.
Briguei muito. Bati  e  apanhei nos  confrontos   com  o  Rocky Lane, Pedrinho Marques, Barbosinha, Monte, Pedroca, Dedé, Dicoçá, Jovico, Carrapeta, Paulão  e  outros moleques. Depois crescemos   e  até  hoje ,  os que ainda  estão  vivos, são  meus grandes  amigos. Não  restou nenhum  ódio, mágoa ou desejo de vingança em nossos  corações. Bem  diferente  dos  tempos atuais,  quando um amigo  e  até   um irmão, mata o  outro por  qualquer besteira.  Até  por um cigarro negado, um  real não emprestado  pelo  pedinte, tem  levado muito jovem para  baixo  dos sete  palmos.
É  bom   dizer  que   no meu  tempo de infância   e  adolescência, não existiam  essas  malditas  drogas (cocaína, heroína, maconha, crack e outros  entorpecentes). Existia   a cola, mas ninguém cheirava,    só  era  usada  pelos  profissionais  que   consertavam  sapatos  e  por  fabricantes de móveis  artesanais.  Tinha  também o Lança Perfume, mas  só   os   adultos usavam, até  ser proibido.  Naquela época (anos 60)  moleque  não ficava na  rua  até  de madrugada bebendo, serenando ou  participando de festas .  Até  que  serenávamos as festas no  Rouxinol  e no Salão   do Pecó, mas  era  só  a sirene  da Usina de Força  e Luz apitar, as  9  da  noite, que  cada  um   corria  no rumo  de  sua casa, pois se  chegasse  10 minutinhos  depois que  a sirene silenciava, era  surra na certa.
Hoje  os pais não  impõem limites  aos   seus filhos, não sabem  por  onde   ou com quem andam  e o  que  é  pior, nem  procuram  saber  onde  ele   conseguiu  dinheiro pra beber ou comprar aquela  roupa de marca. O  que  é  uma pena.
OBS –   existiam  outras  brigas  boas, famosas, entre  dois moleques nos  bairros  doTtrem, Laguinho, Jacaré Acanga, Beirol, Igarapé  das Mulheres, Morro do Sapo, Baixa da Maria Mucura, no Elesbão e Vacaria, mas essas são  vocês que  poderão dizer aí  nos  comentários.
Um abraço do Sapiranga

Comentários:

Ruy Maia disse:
Fala Milton, Esqueceste de mencionar uma boa pegada entre Ruy e Bilica na Favela.
Me lembro de algumas vêzes ter enfrentado este teu galo de briga,umas perdi outras com certeza ganhei. Quando passávamos em frente ao Rouxinol dizias que darias um picolé para quem vencesse e falavas:” Quem for homem bate aqui ( em tua mão esticada ) e na cara do outro”, um tomava iniciativa e a porrada comia. Terminada a briga alguém ganhava o picolé e repartia com o outro e íamos embora. Nunca houve rixa entre nós, somos grandes amigos até hoje. O fato marcante, é que quando o Bilica ( Quito Podre), veio estudar aqui em Belém ( grande eletrotécnico), morou conosco, na casa da Luiza, pela dificuldade financeira de todos nós na época êle ia do Guamá de pé até a escola técnica e vice-versa, contando carros ou postes para chegar mais rápido
Outra briga boa que tive foi com o Vitor Ibiapina, no campo de Coaraci Nunes, foi ganha no preparo físico pois jogavamos muita bola que nos dava esta condição.
Que tempo bom, não tínhamos violência e qualquer crime em Macapá tinha grande repercussão, um dos quais, o do Aracatí.
Milton, ainda não tomei conhecimento de que tenhas escrito uma crônica com relação às feras do papagaio no Território,se o fizeres, tenho certeza que citarás: Vevê, Pau Preto, Jupatí, Dudu (Deodato), Nego Jorge, Mindodô e alguns que só tu lembras. Mas, por favor, não se inclua, nisto não eras bom.
Um abraço e Flu Campeão, pro azar da galinhada.


Aloisio Cantuaria disse:

Oi, Milton.
Uma briga da qual me lembro foi entre o Evaldo e o Antonio, ambos do CA e bons de porrada, como diz o Alcione. Não lembro do motivo, mas sei que deu empate. O local foi aquela esquina da Iracema Nunes com a Eliezer Levy (nesse tempo não havia ainda o prédio da Receita Federal). O Antonio (um colega nosso, o Artur, o chamava de Cavalo) estudou comigo, era meu vizinho na Favela, na Presidente Vargas. O Evaldo, irmão do Edmar, morava no Jesus de Nazaré.
Em outra briga, eu fui protagonista. Isso foi lá nos idos de 1967, turno da manhã, 2ª série ginasial, turma C, famosa pela indisciplina (turma masculina, parecia o GM). Eu e o Eduardo (Dudu) Cardoso. Começou numa aula do professor Lauro Chaves. Não lembro do motivo, mas da expressões “te pego lá fora” e “vem”. O local foi, claro, a esquina da Iracema com a Eliezer Levy. Como você diz, bati e apanhei, o sapato ficou tipo boca de jacaré (a meia-sola feita pelo Zé Maria ficou prejudicada).
A reconciliação demorou. Embora a gente se encontrasse de vez em quando em Macapá, não estudamos mais na mesma turma e o tempo passou. Anos depois nos encontramos em Belém (isso foi por volta de 1990) e conversamos como velhos amigos recordando dos tempos de colégio, inclusive lembrando de um amigo em comum: o Píndaro, meu cunhado, ex-bilheteiro do Cine João XXIII e ex-baterista de “Os Gaviões”, e funcionário da PMM, que morreu em conseqüência de uma malária na véspera do Natal de 1989.
Bom, desviei um pouco o assunto, mas os fatos são interligados (muitos links), e a memória de um puxa pela memória de outro, e assim vai.
Um abraço.


mara cristina disse:
Seu Sapiranga, ou seria Seu Sapiência? É incrível que hoje tenhamos esses problemas sociais. Em Cuba, se um menor é achado perambulando, as autoridades o levam e entregam aos pais. Na segunda vez, punem os pais. O que fazem aqui? Premiam com bolsa isto, bolsa aquilo?

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